O meu avô morreu
O meu avô reformou-se aos 40 anos por invalidez fruto de um acidente de trabalho que por sorte não foi fatal.
Por esse motivo, e porque também os meus pais viveram na casa dos meus avós até aos meus 10 anos, ele sempre foi a minha babysitter.
Era a minha melhor companhia.
Jogávamos a bola, mascarava-o, e quando já sabia as letras sentava-o à minha frente e fingia que o ensinava, pois ele é analfabeto.
Ontem a minha avó pediu-me para ir à Tosquia com a Marta a cadela dela\nossa.
O meu avô, nos seus 86 anos e com profundo amor por mim e eu por ele, gosta sempre que jante lá em casa então perguntou-me antes de eu sair com a minha avó "Vens cá jantar?" e eu acenei-lhe que sim.
Quando saímos da veterinária passou-me uma ideia pela cabeça e disse "Avó, afinal não vou jantar, vou para minha casa e como lá qualquer coisa".
Quando parei à porta dela, até puxei o travão de mão, mas disse-lhe "Olha já nem vou entrar, podes sair. O avô é que vai ficar triste porque eu disse-lhe que vinha mas olha, amanhã falo com ele".
Eram 04:30 acordei e olhei para o telemóvel.
Não conseguia dormir e acendi o candeeiro para ver se me cansava.
Às 07:40 o meu despertador toca e quando o vou a desligar vejo que tenho chamadas não atendidas, coisa muito rara de acontecer.
Tinha uma chamada do meu pai e outra da minha mãe.
Algo bom não podia ser.
Liguei então à minha mãe, que me diz "O avô faleceu, não sei o que dizer" e começou a chorar.
Naquele microsegundo veio-me à cabeça o meu acenar a dizer que ia jantar, mas não fui.
O meu pai pediu-me para ir ao armazém dele, visto que eles venderam a casa e o senhor iria lá buscar uns documentos.
Estou aqui ainda sem ter falado com a minha avó, que é o ser mais precioso da minha vida.
Sofro por ela.
Penso também se me deveria pesar o facto de não ter entrado nem que fosse para me despedir, mas também não quero traumatizar-me por isso, sei bem quão mimoso o meu avô era e por ele nunca estaria satisfeito com o tempo que estava com ele.
Se ele ficou chateado? Claro que ficou, como fica sempre, não me posso crucificar por isso.
Acima de tudo, depois do choque foi o alivio por ele não ter sofrido, por não ter estado dias a fim num hospital, por ter dormido a ultima noite na cama dele, ao lado da minha avó.
Ainda ontem ao almoço (almoço todos os dias com eles), me apertou a mão e me sorrio, mesmo dizendo "isto não está nada bom".
Fico grata por ter podido ter um dia como todos os outros.
Não sei se é chocante estar a escrever isto em cima do acontecimento, mas também precisava tirar isto de dentro de mim sem ter de olhar nuns olhos ou esperar pena.
A morte chega sempre com uma desculpa, eu só não quero ter uma.
Agora tenho de me preparar para ajudar a minha avó a viver o dia-a-dia dela sem o seu companheiro de 50 anos.
Essa vai ser a parte mais dificil.