Tenho uma grande amiga minha com a qual há uns anos atrás passava belos serões.
Andámos na escola juntas desde miúdas e apesar de na altura sermos um grupo grande quis a força da vida que só restássemos as duas para fazer jus aos velhos tempos.
Apesar de vivermos em locais opostos de Lisboa era sempre fácil combinarmos alguma coisa, sendo que ela teve casa própria bem antes de mim o que facilitou os convívios.
Inclusive numa fase menos boa da minha vida em que tive de lhe pedir guarida por uns dias ela fê-lo sempre com o maior sorriso do mundo.
Até lhe achava graça porque eu dormia na sala e ela antes de ir dormir puxava-me o cobertor para cima e dava-me um beijinho na testa.
Sim, ela sempre teve um fundo muito maternal. E um enorme coração
No entanto à medida que fomos crescendo e os planos para o "futuro" começaram a ser abordados com maior frequência ela partilhava sempre a imensa vontade de ser mãe. Vontade essa que eu não entendia porque primeiro ainda a achava muito nova e depois porque do "grupo" sempre fui a menos namoradeira, ao passo que ela namorava com o mesmo rapaz desde os 15.
Sabia também que apesar da nuvem negra que pairava sobre o relacionamento dela na fase em que ela desejava ser mãe, a possibilidade de ela concretizar esse sonho com alguém que considerava poder dar-lhe toda a estabilidade (financeira e emocional) para tal pesou muito no momento de tomar a decisão.
Ao inicio eu pensei que ela estava a brincar.
"Mãe antes dos 30 para quê???"
Mas depois só prevaleceu a vontade de a ver feliz e realizada.
Passado uns meses veio o primeiro rebento.
Menino.
A primeira criança filha de um amigo meu...iria ser "tia" pela primeira vez!
O menino nasceu um dia antes do meu aniversário e só o fui visitar tinha uns 6 meses.
Não sei se por preguiça (pois calhou na altura em que trabalhava no Brasil) ou se por medo que não gostasse tanto daquela criança como gosto da mãe.
Quando conheci o miúdo no carrinho comecei a fazer aquela voz parva que fazemos naturalmente, que até ali só utilizada para falar com os meus animais.
Ele não reagiu.
Tentei o truque de abanar as bochechinhas e fazer umas parvoíces...
Nada.
Não reagia, só pestanejava.
Claro que lhe disse "Oh...ele é tão querido", mas na minha cabeça só ecoava "Oh meu deus, como é que esta criança é tão apática?!".
Foi sempre assim.
O meu pesadelo estava a realizar-se...
Tudo piorou quando um dia envio uma mensagem à minha amiga para irmos às compras.
Tudo combinado chego ao shopping e...vinha ela com um carrinho de bebé.
"WTF?"
Podem imaginar o que é experimentar roupa com um bebé certo?
Para uma ir experimentar outra tem de ficar a tomar conta do pequenote.
Digamos que todas as tácticas de relaxamento com aquele ser não funcionaram.
Resumo do dia: sem roupa, sem paciência e sem vontade de convidar a amiga para mais nada.
Fiquei sem coragem de lhe dizer que gostaria de ser avisada sempre que ela trouxesse o rebento.
Decidi então começar a convidá-la para planos que ela não tivesse outra alternativa senão deixá-lo com o pai.
Depois de muito sangue, suor, lágrimas e "Não tenho roupa para sair à noite" lá a consegui tirar de casa.
Fomos beber um copo ao Bairro Alto.
Copo tipo até à 01:00...como quem diz, cear.
Estavamos nós a rir, a fumar, a falar de homens e das nossas loucas aventuras quando...
"Estou grávida"
"HAN?"
Supostamente estava proibida de engravidar antes de um ano da ultima gravidez, principalmente porque tinha tido gravidez de risco, mas a vontade dela de "se despachar" era tanta vingou face à responsabilidade.
Tenho vergonha de dizer isto mas desde o momento que ela me disse que estava gravida nunca mais a vi.
Não visitei a menina quando nasceu e só a vi porque ela me convidou para o baptizado.
Acho que nem toquei na bebe. Basicamente tirando as crianças só haviam 2 solteiras naquele baptizado: eu e a prima dela que por sorte me contou estar grávida acidentalmente.
Claro que a minha companhia durante o evento foi o eterno solteiro chamado alcool...
Depois do acontecimento "baptizado" a nossa relação esfriou e nem ela me perguntou porque me afastei nem eu disse nada.
A verdade era que estava a passar por um período conturbado porque estava a voltar para Portugal, tinha terminado a minha relação, e agora sentia que tinha ficado sem amiga.
Era muita coisa para digerir.
Passado uns tempos recebo uma mensagem dela a dizer que uma amiga nossa estava de visita a Lisboa e que devíamos ir jantar para relembrar os velhos tempos.
"Uff era mesmo isto que precisava", pensei.
Já não a via há mais de 1 ano e estava mesmo a precisar uma saída com a babes.
Ainda por cima a nossa amiga era a mais maluca do grupo, não tinha como não ser divertido.
Lá fui eu toda pimpona, toda produzida, ter ao restaurante combinado.
Quando chego la, está ela, as crianças e a nossa amiga.
Nem quis acreditar.
Óbvio que todas as conversas de sexo que tínhamos guardadas desde os 17 anos ficaram na nossa cabeça pois não podíamos falar disso na presença dos menores.
Além disso eles estavam sempre aos gritos de 3 em 3 segundos portanto no limite conversar sobre qualquer coisa era um desafio.
Saí de lá com a noção de que não podia separar o papel de amiga do papel de mãe.
Tinha de me entrar na cabeça que aquela já não era a minha amiga, mas sim a mãe daquelas crianças.
Depois desse dia e já se passaram 2 anos os únicos convites que lhe faço são nocturnos e os únicos convites que ela me faz são diurnos.
Nem uns nem outros se realizam.
Acho que nenhuma de nós tem coragem de meter o assunto "filhos" ao barulho e organizar esta amizade.
Ultimamente ela tem-me enviado varias mensagens a tentar combinar algo comigo.
Sinto-me mal em dizer que não, mas a realidade é que não quero arriscar encontrar-me com ela e ela levar os miúdos e não tenho coragem de lhe dizer!!!!
Quero ter conversas com ela que NÃO POSSO ter com as crianças presentes.
Será que sou eu que estou errada?
Será que ela não deveria ter essa consciência?
Será que uma mulher não pode mais estar sozinha com as suas amigas a partir do momento em que se torna mãe?
Porque não deixa ela os meninos com o pai?
Penso que a única hipótese que tenho de estar com ela é ir com ela para um parque infantil e deixar os miúdos a brincar la dentro enquanto falamos sentadas num banco.
Não era bem isto que tinha pensado para um domingo à tarde, mas face aos factos, não me restam muitas hipóteses e pelo menos num espaço aberto posso fumar...