Cão à beira da estrada: o meu primeiro resgate.
Era feriado e tinha prometido aos meus avós que iria com eles cancelar a apólice do seguro de vida.
Como para sacar dinheiro de onde quer que seja é sempre um filme combinei com eles estarmos lá logo à primeira hora, o que implicava entre passear o cão, tomar o pequeno almoço, arranjar-me e sair ter de acordar as 07:10.
"Ok, não há mal, acordo cedo todos os dias para ir passear o cão, é igual", pensei eu.
Eram 8 horas e sentia que tudo estava a correr bem. Deixei o meu cão com os meus pais (sim ele sozinho em casa chora muito) e lá fui eu estrada fora precisamente no horário programado.
Levanto o som do rádio, abro um pouco a janela para receber na cara a brisa de uma bela manhã de Verão.
Que lindo dia de sol que estava.
Pus-me a cantarolar e a pensar "Que boa é a vida".
De repente algo me fez parar de cantar. Vislumbrei um cão preto assustado a caminhar na beira da estrada.
Nos micro segundos em que tudo aconteceu consegui reparar que tinha uma ferida na pata esquerda e de tão grande que era sobressaia bem.
Abrando um pouco, confirmo que não tenho carros atrás, mas infelizmente eles apressam-se em chegar.
"Tenho de ir, os meus avós estão à minha espera" dizia uma parte da minha consciência.
"Não posso deixar o cão ali, está a tremer e baixa-se a cada carro que passa, está em pânico e magoado" dizia outra parte da minha consciência.
Enquanto ia a lutar comigo mesma fiz cerca de 2 km.
Foi este o tempo que a minha consciência demorou para me vencer. Na rotunda, dei a volta para trás.
"Fodasse" pensei. "Logo hoje que tinha que estar no seguro a horas".
Voltei para trás, sempre atenta a ver se entretanto ele já tinha andado mais um pouco.
Chego ao local e não o vejo.
Começo a repassar todos os cantos com os olhos desde o carro. Sinto a pressão do pouco tempo que tenho sem ter de parar o carro na berma (estava numa estrada movimentada aquela hora da manhã, principalmente por camiões).
Não o encontro.
De repente, saída de umas folhas secas na beira da estrada coloca-se à minha frente um pequeno ser castanho e preto, quase que nem se percebia que animal era.
Era um cão pequenino, daqueles que dá para colocar dentro duma mala como um adereço.
"Vai ser atropelado se não parar", pensei.
Imediatamente parei, fiz 4 piscas.
Comecei a sentir a adrenalina a subir pelo meio corpo e as pupilas a dilatarem. Veio-me tudo à cabeça.
Lembrei-me que tinha a transportadora dos meus gatos na mala.
Lembrei-me que tinha ração de cão que a minha avó me tinha oferecido.
Como depois da seguradora planeava ir para a praia, tinha também no carro uma toalha, que neste caso daria jeito para enrolar o bicho.
"Tenho tudo o que preciso", pensei.
Saio fora do carro e mal bato a porta ele foge.
Passa por debaixo do rail e desce para uma zona de canas altas, cheia de terra e de lixo.
Chamei-o carinhosamente desde a estrada, com aquela voz querida que fazemos aos animais e bébés.
Ela olhava, mas naturalmente não vinha.
Entre a estrada e o "aterro" onde ela estava havia uns 2 metros de profundidade.
Era o que me faltava...
Pensei "Como vou descer isto em chinelos??".
"Que se lixe" pensei eu nas minhas havaianas que até então, eram de cor amarela.
Salto os rails, deslizo pela terra e agarro-me a um ramo de uma árvore pendurado que por lá havia.
Ele vê-me e começa a ladrar e a fugir.
Eu continuo, pé ante pé a segui-lo.
Entretanto já tinha colocado no bolso dos calções 3 grãos de ração.
Atiro-os para o cativar, mas sem sucesso.
Continuo a perseguição com cautela.
Ele vai andando e olhando para trás a rosnar e a ladrar como se pedisse ajuda aos donos.
Entretanto pára numa vegetação mais densa. Teve medo de penetrá-la e deixou-se ficar ali "encurralado".
Fui lá com cuidado para ele não fugir, pois ali eu não tinha muito espaço de manobra.
A terra escorregava-me por debaixo dos pés e do meu lado direito tinha um declive, não muito acentuado, mas o suficiente para perder tempo precioso a tentar sair de lá caso escorregasse.
Tive a falar com ele uns minutos e a tentar tocar-lhe mas atirava-se a mim a ladrar furioso, como se me fosse morder.
Não tinha coragem de lhe pegar.
"Vou buscar a toalha, e atiro-a para cima dele e depois pego-o por baixo. Assim não me morde", pensei eu.
Sigo caminho para trás para ir buscar a toalha ao carro.
Sentia a terra atravessada nos meus dedos dos pés e o meu buço a suar.
"Agora a subir é que vai ser bonito", pensei enquanto limpava o suor ao top, que outrora era de cor branca.
Assim que começo a andar para trás oiço que ele me persegue.
"Boa, obrigado Deus!" pensei eu.
Sempre que parava, ele parava e quando eu andava ele andava.
Parei.
Toquei-lhe. Deixou. Apertei-o para ver se tinha algo dorido, não reagiu.
Peguei nele ao colo (com uma mão era suficiente).
Suspirei.
Ele enfiou o focinho debaixo do meu braço como a dizer "Tira-me daqui rápido".
Volto a subir a terra, desta vez apenas com um braço, não me perguntem como.
Saltei os rails também só com um braço.
Abri o carro (não sei como não perdi as chaves, acho que nem fechei o carro), abri a transportadora e meti-o la dentro.
Sensação de missão cumprida, foi o que senti.
Outros pensamentos assolaram-me naquele momento pois iria aparecer aos meus avós cheia de terra, a cheirar mal e com um cão numa transportadora de gato. E atrasada.
Sabia que eles não iam achar graça, mas não havia nada que pudesse fazer diferente.
No final das contas correu tudo bem com eles.
Só no final do dia quando cheguei a casa percebi que afinal não era um menino, mas sim uma menina.
Fui ao veterinário e nada de chip.
Chamei-lhe Fendi.
Está para adopção responsável, que pelas partilhas que teve no Facebook, não me parece que demore muito a ocorrer.
Quanto ao cão original que me fez voltar para trás, nunca mais o vi pela zona, passei lá novamente e nada.
Espero que alguém tenha tido uma consciência tão chata como a minha.